quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015


Mulheres em moedas romanas

Quando estudamos moedas romanas e sua imagética, ou simplesmente somos espectadores em museus podemos observar várias amoedações com o busto de imperadores. Isso era uma prática comum na antiguidade, ou seja, cunhar a imagem do governante. Essa prática tinha o objetivo de fazer uma espécie de propaganda do imperador, de glorificar seus atos, vitórias e também homenagear divindades.

Acreditamos também que fosse uma maneira de legitimar o seu poder, tanto que até mesmo usurpadores cunharam moedas após tomarem o poder em certas regiões no Império Romano. Legitimava pois as moedas eram cunhados com o busto do imperador, seu nome e título como por exemplo: DN VALENTINI ANVS PF AVC, ou seja, DN, dominus (senhor), VALENTINI que no caso seria o nome do imperador Valentiniano I (364 – 375 d.C).
Esse tipo de cunhagem com o busto e o nome do imperador mostrava para a população quem estava à frente do poder. No entanto, o que dizer de mulheres retratadas em amoedações?
Como dito anteriormente, em algumas moedas havia homenagens à divindades, muitas delas eram mulheres. Uma em especial era muito utilizada em moedas, a deusa Vitória, ou Niké na tradição grega.
Na moeda observamos a figura do imperador Valentiniano I acompanhado da deusa Vitória (ou Niké) coroando- o. Fonte: Museu de Belrim

No entanto muitas vinham com imagens de mulheres que não eram divindades. Muitas delas eram esposas, mães e filhas de imperadores, como por exemplo; Gala Placídia, Helena (mãe de Constantino e santa católica), Fausta, Eudóxia. Abaixo podemos observar uma moeda com o busto de Gala Placídia que foi cunhada no período em que Honório (seu irmão) estava à frente do poder imperial.
Anverso: D N GALLA PLA-CIDIA P F AVG
Reverso: SALVS REI-PVBLICAE 
Fonte: Museu de Berlim 

Eram mulheres que foram homenageadas por homenagear, pelo simples fato de serem esposas, mãe ou filhas? Ou tiveram alguma importância política. Sabemos que Gala Placídia teve importância política pois se colocou como moeda de troca pela paz de Roma. Rafaela Rocio Gomes de Abreu faz um estudo a partir dos textos de Paulo Orósio[1] onde fala sobre Gala Placídia e a imagem de penhor especial. Segundo Rocio, “Placídia viveu do final do século IV até a metade do século V, era neta de Valentiniano I, filha de Teodósio, o Grande, e meia-irmã do imperador Honório. Casou-se com Ataúfo e assim tornou-se rainha dos visigodos, posteriormente selou matrimônio com o imperador romano Constâncio, e desta união gerou um filho, o imperador Valentiniano III. Durante a mocidade foi efetivamente imperatriz de Roma, por direito próprio como uma Augusta oficial. Quando da morte de seu marido Constâncio e posteriormente de seu irmão Honório controlou a política do Império Romano do Ocidente em nome de seu filho Valentiniano III, que fora imperador aos seis anos. A fascinante Augusta possuía ligações mais do que evidente com a política do Império por pertencer a casa teodosiana, mas, além disso, sua imagem representou características distintas entre seus contemporâneos bárbaros ou romanos. A primeira vista, em muitos aspectos, a vida de Gala Placídia pode parecer tomar um papel secundário na história imperial, no entanto uma análise mais profunda permite deslumbrar o quão intrínseco a sua figura estava nos acontecimentos do início do século V. Quando o Império passava por dificuldades para se defender, Placídia fora uma das vítimas e permaneceu como cativa dos bárbaros.”
Quando estudamos amoedações da Antiguidade geralmente nos atemos somente a figura do imperador e sua importância política, deixando em segundo plano várias figuras femininas que tiveram efetivo destaque em vários período da história romana.
Neste texto nos atemos a figura de Gala Placídia mas porteriormente pretendemos falar sobre outras figuras femnininas do contexto romano, principalmente tardo-antigo.

Para saber mais:

CARLAN, Claudio Umpierre, RABÊLO, Lalaine. Período valentiniano e os aspectos político- religiosos: as moedas como fonte. http://www.nepam.unicamp.br/arqueologiapublica/revista/anais/antiguidade-aqueologia-e-poder/PDFs/arquivo7.pdf

Museu de Berlim: <http://ww2.smb.museum/ikmk/tablett.php?type=text&start=0&page=1>

Em 2010 o Museu de Arqueologia e Numismática de Vila Real, Portugal, trouxe a exposição “As mulheres nas moedas romanas”. Veja mais em: <http://museu.cm-vilareal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=83%3Aexposicao-qa-mulher-romana-nas-moedas-do-museuq&Itemid=38>



[1] Paulo Orósio, historiador cristão, muito próximo do bispo Agostinho de Hipona, ou Santo Agostinho. 

terça-feira, 17 de julho de 2012



Religiosidade no Império Romano
Lalaine Rabêlo[1]

Com a expansão do Império Romano ao longo dos séculos, houve a inclusão de várias religiões de povos conquistados, tais como os cultos à Isis, Mitra e Cibele. Esta apropriação da cultura de outros povos revela o caráter diverso do Império.

Ísis

Mitra
Por outro lado devemos destacar uma religião que foi ganhando vários adeptos e se destacou ao longo dos anos no Império Romano; o cristianismo.
Com a morte do Imperador Alexandre Severo, assassinado por seus soldados no ano de 235 d.C., tem início em Roma um período conhecido como a crise do século III. Neste período, houve a Anarquia Militar (235 - 268 d.C.), em que os imperadores eram nomeados por seus soldados, sendo assassinados logo depois.
Em outro momento com Diocleciano (244 - 311) no poder, há o início de uma restauração em vários campos, principalmente no político e econômico. Segundo Carlan, Diocleciano teve como modelo as monarquias orientais, nas quais tudo o que cercava o rei era considerado sagrado.
Já Constantino continuou as reformas iniciadas por Diocleciano e obteve êxito nesta tarefa, tanto que ficou no poder de 306 a 337. Algo significativo, considerando que durante a anarquia militar, alguns imperadores conseguiam permanecer no cargo por poucos dias.
Constantino cultuava o deus Sol, quanto à sua conversão ao cristianismo, há divergências. Funari define essa suposta conversão de Constantino como um jogo político. Segundo o autor, “o imperador Constantino concedeu aos cristãos, por meio do chamado Edito de Milão, em 313, liberdade de culto. Em seguida, esse mesmo imperador, procurou tirar vantagem e interveio nas questões internas que dividiam os próprios cristãos e convocou um concílio, uma assembléia da qual participavam os principais padres cristãos. Nos Concílios foram discutidos as diretrizes básicas da doutrina cristã. Depois Constantino cuidou pessoalmente para que as determinações do concílio fossem respeitadas, ou seja, passou a ter um controle muito maior dos cristãos e suas idéias. Antes de morrer, o imperador resolveu batizar-se também.
Paul Lemerle destaca ainda que no que refere à história da administração de Constantino, há um problema de fontes. O documento considerado mais importante que trata das relações do Imperador com o cristianismo é Vida de Constantino, atribuída ao escritor cristão Eusébio de Cesaréia. Porém, não é certo que este autor tenha realmente escrito a obra. Deste modo, torna-se necessário lançar mão da arqueologia e da numismática, pois através da iconografia podemos observar elementos que faziam parte do cotidiano da sociedade romana e as relações de poder.
Com o passar dos anos e com períodos de instabilidade política e econômica, a religião oficial (o paganismo) não atendia às necessidades do povo, principalmente as camadas mais baixas da população. Buscava-se conforto espiritual e o cristianismo oferecia isso. Segundo Paul Lemerle:
                                    O Paganismo, tal como Augusto tinha tentado refazê-lo reviver, havia muito tempo já não satisfazia as consciências inquietas. As religiões e as superstições do oriente se haviam expandido por todo o império, onde conviviam e se confundiam as crenças mais singulares, os ritos mais estranhos. Tendia-se para uma religião desligada desse mundo decepcionante, que transferisse para o outro mundo o objetivo e o fim da existência terrena. O monoteísmo atraía os melhores espíritos.
Além de Constantino, o século III e IV também conta com uma galeria de imperadores que ora tolerava ora perseguia o cristianismo, sendo este aceito como religião oficial somente no governo de Teodósio, o grande.

Para saber mais:

Imagens

Labirintos do ser  
Último acesso em: 27 de janeiro de 2012.

Textos de Internet

CARLAN, Cláudio Umpierre; RABÊLO, Lalaine. Cultura e poder em Roma: o modelo da Antiguidade Tardia. Revista Eletrônica Antiguidade Clássica, v.7, n.1, ano IV, 2011. Disponível em: <http://www.antiguidadeclassica.com/website/edicoes/setima_edicao/>
Último acesso em: 17 de julho de 2012.

Livros

CARLAN, Claudio Umpierre. Moeda e Poder em Roma: um mundo em transformação. Campinas, 2007. Tese (Doutorado em História Cultural) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas.

FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Grécia e Roma: vida pública e vida privada. Cultura, pensamento e mitologia, amor e sexualidade. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2002.

FUNARI, Pedro Paulo. CARLAN, Cláudio Umpierre. Arqueologia Clássica e Numismática. Coleção Textos Didáticos n. 62. Campinas: Unicamp, 2007.

FUNARI, Pedro Paulo, SILVA, Maria Aparecida de Oliveira, Orgs. Política e identidades no mundo antigo. São Paulo: Anablume, Fapesp, 2009.

LEMERLE, Paul. História de Bizâncio. São Paulo: Martins Fontes, 1991.



[1] Graduanda (7º período) em História pela Universidade Federal de Alfenas e bolsista de iniciação científica pela FAPEMIG.



O uso das fontes numismáticas para o estudo da antiguidade tardia: a sociedade romana e sua religiosidade.
Lalaine Rabêlo[1]

Ao longo da história, os séculos III, IV e V foram descritos como período de ruína do Império Romano. Porém quando analisamos profundamente, este período denominado por vários historiadores como Antiguidade Tardia, notamos que esta visão é um tanto equivocada, pois apesar dos períodos de crise, há também renovação política e cultural como bem destaca Grein:

                                             [...] nessa fase de transição entre a Antiguidade Clássica e a Idade Média é que encontramos a Antiguidade Tardia, apresentada muito mais como um momento de permanências e transformações e que atinge principalmente os campos político, cultural, econômico, religioso e social e que viria imprimir uma nova face ao mundo mediterrânico ocidental pós-romano. (GREIN, 2009, p. 110).

Este termo vem sendo adotado por vários estudiosos brasileiros e estrangeiros como o historiador Peter Robert Lamont Brown (Princeton University), John Bryan Ward-Perkins (University of Oxford), Margarida Maria de Carvalho (UNESP/Franca), Claudio Umpierre Carlan (UNIFAL-MG), Carlos Augusto Ribeiro Machado (UNIFESP), Pedro Paulo Funari (UNICAMP), Paul Veyne e Jean Pierre Carrié (École des Hautes Études em Sciences Sociales), Gilvan Ventura da Silva (UFES), Ana Teresa Marques Gonçalves (UFG), Norma Musco Mendes (UFRJ), dentre outros.
Por outro lado, devemos ressaltar que entre estes historiadores há divergências quanto aos séculos que este termo abarca.
No que se refere à cultura, entendemos que esta tem conceitos múltiplos. No entanto, acreditamos que a cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças (SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique, 2005, p.85).
Neste sentido, compreendemos que os aspectos culturais abrangem a religiosidade romana que sofre uma transição do paganismo para o cristianismo, e conseqüentemente o fortalecimento do último ao longo dos anos. Mesmo com a tentativa do imperador Juliano (361 – 363 d.C.) de trazer o paganismo ao papel central, após sua morte e com a ascensão de imperadores cristãos como Joviano (363 – 364 d.C.), Valentiniano I (364 – 375 d.C.), Valente (364 – 378 d.C.), dentre outros, o cristianismo se fortalece e se torna religião oficial do império com Teodósio, o grande.
Por meio das fontes numismáticas, podemos observar aspectos do período, dentre eles a religiosidade. Através da imagem a baixo, observamos uma mescla de elementos cristãos e pagãos, como a deusa Niké (Vitória) da tradição pagã grega, coroando Valentiniano I. O Imperador segura com a mão direita o estandarte, o vexillum que representa a força e a autoridade suprema, que possuí ainda o sinal de Constantino PX, iniciais da palavra Cristo em grego (Crismon ou Quirô). Observamos ainda ao seu lado a cruz cristã.
     
              
Fonte: Museu de Berlin

Do seu lado direito a cruz cristã, do lado esquerdo a deusa Vitória. Através destas observações, percebemos que mesmo o cristianismo conquistando vários adeptos no Império, inclusive vários imperadores ao longo dos anos, não há extinção dos elementos pagãos, havendo assim um sincretismo religioso. Estes elementos sobrevivem em conjunto, a antiga cultura pagã ainda sobrevive por meio de símbolos e costumes adquiridos ao longo dos séculos. Ou seja, não há uma total negação da antiga religião, o que há é assimilação.
Através do estudo das fontes escritas e materiais, percebemos vários aspectos da sociedade romana que estava em transformação. Neste caso, vemos a importância das moedas como fonte. As imagens podem nos trazer aspectos interessantes da cultura, não somente a romana mas também a nossa, que aliás, absorveu vários costumes romanos.
Enfim, o ser humano é um animal simbólico, as imagens expressam sentimentos de um grupo, uma ideologia, legitima o poder de um determinado governante. Deste modo, observamos a importância de estudar a imagética em geral, seja para contribuir para o entendimento das sociedades antigas, ou para entender a nossa cultura, a nossa sociedade.
Para saber mais:
Fontes Numismáticas
Coleção Numismática do Museu de Berlim
Último acesso em: 27 de janeiro de 2012.
Textos de Internet
CARLAN, Cláudio Umpierre; RABÊLO, Lalaine. Cultura e poder em Roma: o modelo da Antiguidade Tardia. Revista Eletrônica Antiguidade Clássica, v.7, n.1, ano IV, 2011. Disponível em: <www.antiguidadeclassica.com>
Último acesso em: 11 de dezembro de 2011.
GREIN, Everton. Translatio ad mundus: a transformação do mundo romano e a antiguidade tardia. Elementos teóricos para uma perspectiva historiográfica. In: História da Historiografia. Ouro Preto / Edufop, 2009, número 3, setembro 2009, 263pp.
Acesso em: 16 de novembro de 2011.
Catálogos e Dicionários
CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 8a. ed. Tradução: Vera Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Ângela Melim, Lúcia Melim. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1994.
SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2ª edição. São Paulo : Contexto, 2009.
Referências
BROWN, Peter. O Fim do Mundo Clássico. De Marco Aurélio a Maomé. Tradução de Antônio Gonçalves Mattoso. Lisboa: Editorial Verbo, 1972.


[1] Graduanda em História pela Universidade Federal de Alfenas e bolsista de iniciação científica pela FAPEMIG.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Patrimônio histórico e educação patrimonial: possibilidades


Estou lendo um livro muito interessante sobre arqueologia do professor Pedro Paulo de Abreu Funari. O livro, Arqueologia[1] traz informações claras, de fácil entendimento para quem quer saber um pouco mais sobre o assunto. Ele aborda também questões relativas à educação patrimonial algo que me fez lembrar de um projeto que participei no início do curso de História como professor Olavo Soares.
Esta questão é muito importante a meu ver, pois vemos com freqüência a destruição ou descaracterização de edifícios antigos. Isto se dá através de reformas com a colocação de objetos estranhos ao estilo arquitetônico original, seja ele janelas ou portas mais modernas. Na cidade onde moro - Alfenas - observamos a colocação de grandes placas de comércio escondendo as fachadas dos prédios ou até mesmo antenas parabólicas.
Com estas observações devemos pontuar também a questão da educação patrimonial. Esta compreende não só as reformas como também a pichações freqüentes como pude observar não só em Alfenas como na cidade do Rio de Janeiro ou em Petrópolis com seus lindos casarões, uns muito bem conservados, outros no entanto não com a mesma sorte.
E como tentar barrar isto? Parece clichê mas o ideal seria a conscientização da população e é claro, do público escolar nas aulas de História por exemplo, vista por tantos como uma disciplina de decoreba ou com assuntos tão distantes do nosso cotidiano. Esta seria uma forma de "matar dois coelhos com uma cajadada só", ou seja, além de educar para a conservação de prédios antigos (o que reflete na conservação dos atuais), poderia tornar uma aula de História muitas vezes maçante, bem mais interessante. Digo isto por experiência própria pois estudei em Alfenas minha vida toda, porém só fui observar com mais atenção o patrimônio histórico da cidade (no caso prédios que eu via todo dia quando ia para as aulas) depois do já citado projeto sobre o patrimônio histórico da cidade.



[1] FUNARI, Pedro Paulo A. Arqueologia. 2° ed. São Paulo: Contexto, 2010.